Pular para o conteúdo

O que são religiões não cristãs? Por que elas existem?

O que são religiões não cristãs? Por que elas existem? (Jeremy Bouma com Daniel Strange)

Um excerto de “A rocha deles não é como a nossa Rocha”  [Their Rock is not like our Rock]

Essas duas questões estão no cerne da disciplina de teologia das religiões. Elas também estão no cerne do novo livro de Daniel Strange [a ser lançado pela editora Monergismo em 2018] A rocha deles não é como a nossa Rocha.

Sua obra inteligente, cautelosa e biblicamente fiel preenche uma lacuna crucial na avaliação evangélica sobre o papel de outras religiões. Nela, ele busca explicar e defender esta definição de religião que responde as nossas perguntas:

“A partir do pressuposto de uma revelação bíblica epistemologicamente autoritativa, as religiões não cristãs são respostas humanas idólatras à revelação divina soberanamente direcionadas, variadas e dinâmicas, estando por detrás delas forças demoníacas enganadoras. Sendo antiteticamente contra, mas parasiticamente dependentes de, a cosmovisão cristã, as religiões não cristãs são “cumpridas subversivamente” no evangelho de Jesus Cristo” (p. 239 do original)

Leia o excerto abaixo para ter noção do valor da obra de Strange e ver ideias ainda mais valiosos sobre a razão e a natureza das religiões não cristãs

Porque a rocha deles não é como a nossa Rocha (Deuteronômio 32.31, ARA)

Da perspectiva da fides quaerens intelletum (fé em busca de entendimento, o que são as religiões não cristãs? Por que existem religiões não cristãs? Essas inquirições sobre natureza e propósito aparentemente rudes e quase infantis são, na realidade, questões extremamente profundas, pois despretensiosamente englobam boa parte da essência da disciplina conhecida como teologia das religiões. Como se decide responder essas perguntas estabelece uma trajetória teológica com implicações abrangentes para o engajamento missiológico cristão contemporâneo com outras religiões. As minhas tentativas de resposta irão formar o restante desta obra, na medida em que busco combinar num todo sistemático e coerente o material coberto nos capítulos anteriores. Tal síntese é uma tarefa aterradora, não porque a revelação de Deus apresente teologias de religião múltiplas e em conflito, mas porque dentro de uma revelação unificada há uma sofisticação e certas nuances no entendimento da religião/religiões não cristã(s) que desafiam explicações simplistas e reducionistas. Como temos visto, mesmo se cobrirmos apenas a revelação bíblica, a polifonia canonicamente limitada da Escritura é complexa, quando levamos em conta fatores como gênero literário e os contornos da história redentiva. A esta complexidade, somamos a revelação extra-bíblica adicional em termos de evidências históricas e fenomenológicas.

Antes de tal explicação começar, e para que ninguém fique desapontado, é importante novamente reiterar o que eu estou tentando e o que eu não estou tentando descrever e justificar neste capítulo. Primeiro, o que eu quero expor aqui é uma estrutura teológica e dogmática geral de religião que possa agir tanto como limite quanto como fundamento para instanciações religiosas particulares tradição-específicas que “colocam carne” neste esqueleto. Enquanto eu darei alguns exemplos ilustrativos, é o panorama dogmático que está em foco. Semelhantemente, para aqueles que, talvez corretamente, desejam que eu vá direto para a aplicação missiológica em termos de apologética, contextualização, diálogo e assim por diante, certo grau de paciência será necessário na medida em que, enquanto esta análise teológica providencia uma plataforma firme e necessário para tal aplicação missiológica, a discussão e tratamento realmente detalhadas dessas questões não se incluirão aqui, mas serão brevemente esboçadas no próximo capítulo.

Segundamente, eu reconheço que, na medida em que desenvolvo parte a parte minha teologia de religiões e resumo suas partes componentes, cada uma dessas partes merece um tratamento muito mais extenso do que pode ser dado aqui. Eu espero que a minha breve descrição abra o apetite de outros para se engajarem em pesquisas adicionais nessas áreas que juntas contribuem para uma teologia evangelicorreformada de religiões, e uma “ciência teológica das religiões” evangelicorreformada. Pois, embora tenha sido o cristianismo confessional o pioneiro no estudo detalhado de outras religiões, fora poucas exceções, ficamos para trás nessas áreas de estudos acadêmicos, com o resultado de que agendas foram estabelecidas e pressupostos assumidos que excluem a fé cristã ortodoxa histórica.

Em terceiro lugar, e novamente, eu não me envergonho de admitir a natureza relativamente derivada e sintetizada da minha teologia das religiões dado um dos meus objetivos iniciais: que, ao escrever esta monografia, eu desejava tirar do sótão e colocar de novo à luz do dia alguns acadêmicos reformados seminais de missiologia, acadêmicos que para mim estão mais assintomaticamente perto de articular o ensino bíblico concernente à natureza do Outro religioso. Aqui o holofote recai sobre Hendrik Kraemer e J. H. Bavinck. A minha própria prescrição da natureza do Outro religioso é em sua maior parte uma descrição e rearticulação de suas articulações.

No começo deste estudo eu ofereci uma definição de religião/religiões que agora eu busco explicar e defender: a partir do pressuposto de uma revelação bíblica epistemologicamente autoritativa, as religiões não cristãs são respostas humanas idólatras à revelação divina soberanamente direcionadas, variadas e dinâmicas, estando por detrás delas forças demoníacas enganadoras. Sendo antiteticamente contra, mas parasiticamente dependentes de, a cosmovisão cristã, as religiões não cristãs são “cumpridas subversivamente” no evangelho de Jesus Cristo.

Por todo este estudo, eu tentei tanto descrever quanto justificar essa definição a partir da Escritura, aludindo a cada uma de suas partes componentes em variados graus de detalhe. Acredita-se que tal definição, enquanto quase chegue ao dialético e contraditório, é nada mais do que a instanciação particular da mistura antropológica complexa que é o Homo adorans, que a teologia reformada historicamente tem tentado articular, e que eu resumi no capítulo 1 tanto sistemática quanto historicorredentivamente. Como foi visto naquele capítulo e em capítulos subsequentes, esse “ingrediente” pré-preparado tradição-específico é talvez melhor contido, explicado e resolvido ao se reconhecer a resposta “religiosa” da humanidade e a reinterpretação da revelação de Deus sobre si. A Bíblia descreve isso conceitualmente com a linguagem de “idolatria”. Essa dinâmica reformada de resposta idólatra subjetiva a uma revelação divina objetiva é resumida em passagens como Romanos 1.18-32, mas é, como eu espero ter demonstrado, evidenciada por todo o enredo bíblico. É essa dinâmica que serve como a “gramática” desta articulação. Contudo, mais um ingrediente precisa ser mencionado, pois nas sombras desse grande tema da idolatria, e “por detrás” dele, está a presença do demoníaco. Esse é um tema menor, mas que merece alguma menção e análise.

É agora possível elucidar adicionalmente essa definição, dividindo-a em quatro partes constituintes. Primeiro, vou descrever a natureza antitética do Outro religioso; segundo, eu vou notar a pseudossemelhança do Outro religioso quando comparado à verdadeira revelação; terceiro, eu vou resumir o que pode ser dito sobre o papel do demoníaco por detrás do Outro religioso; finalmente, eu vou tentar mostrar como essa descrição pavimenta o caminho para uma dinâmica revelacional entre religiões não cristãs e o evangelho de Jesus Cristo, que, para usar o termo de Kraemer, eu chamei de “cumprimento subversivo”.

O livro “A rocha deles não é como a nossa Rocha”  será publicado em 2018 pela Editora Monergismo.

Tradução: Guilherme Cordeiro