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Os rótulos e por que eles não colam

Introdução

Para aqueles que não me conhecem, eu sou pastor de uma pequena Igreja Reformada em Joinville, Santa Catarina, e também factótum — jeito chique de dizer pau-para-toda-obra — na Editora Monergismo, que vem publicando os livros do Pr. Douglas Wilson desde 2009. Conheci seus escritos poucos anos depois e, desde então, acompanho seu ministério — inclusive durante algumas das controvérsias pretéritas que se passam por presentes no Brasil.

Nos últimos anos, nossa igreja começou uma relação formal com a Communion of Reformed Evangelical Churches (CREC) através da Christ Church em Moscow, ID., que conta com o Pr. Doug como um dos seus líderes. Ele, junto a outros ministros do Presbitério Knox, foi um dos responsáveis por avaliar-me em meu processo de credenciamento. Desde então, nossa igreja é candidata à membresia na CREC, tendo a Christ Church como nossa igreja madrinha.

Além disso, a convite da organização da Vinacc, eu seria o responsável por interpretar o Pr. Doug na Consciência Cristã 2024. Ele e sua esposa haviam sido convidados para falar sobre família, educação e criação de filhos — temas pelos quais são bem quistos por muitos no Brasil. Curiosamente, embora alguns digam que ele gosta de atear fogo nas coisas, os organizadores decidiram cancelar o convite por, entre outros motivos, terem sido ameaçados com coquetéis molotov.

Essa introdução se faz necessária como contexto. Diferente daqueles que dizem muito saber sem ninguém conhecer, estou próximo o bastante para ter uma opinião formada sobre o que se tem dito sobre ele, seus amigos, colegas de ministério, ou sobre quem quer que conteste as graves acusações e atribuição de crimes. Embora desconhecido, eu estou na lista.

O rótulo da vez

Por isso, desde que a importação da campanha difamatória começou, eu traduzi a negação do Pr. Doug de ter dado suporte a qualquer tipo de abuso; a carta da Christ Church sobre um dos casos (de 2015) e sua declaração sobre a distorção grosseira de seus esforços; apresentei um sumário do relatório sobre casos, publicado em 2017 — resultado do trabalho investigativo de um comitê da CREC em parceria com a MinistrySafe.com1 (cuja versão integral pode ser encontrada aqui); a tradução da declaração do Pr. Doug sobre quando uma das vítimas veio lhe pedir perdão (após as entrevistas de Darren Doane) — que alguns tentaram distorcer; o artigo de Joe Rigney, um dos líderes da Christ Church, sobre como funcionam os rótulos de manipulação e, também, sua resposta à crítica de Kevin DeYoung2.

Note, contudo, que esses materiais representam apenas uma pequena fração de tudo o que foi escrito em anos. Nada disso é novo. E eu poderia falar sobre a examinação que a CREC realizou com o Pr. Doug sobre a famigerada “visão federal” — que grande parte dos críticos nem sequer sabe definir —, ou sobre os testemunhos das mulheres da Christ Church. Mas, como o próprio Pr. Doug disse em sua carta ao povo brasileiro, não basta não mentir, também é necessário não acreditar nas mentiras — mesmo quando são tão antigas que já foram repetidas mil vezes.

E a mentira da vez é que o Pr. Doug é um defensor da escravidão, embora ele argumente que a lógica do evangelho exija a subversão da mesma. Dizem que ele a defende como um “bem positivo”, mesmo que ele o tenha negado abertamente. Comparam-no a Robert L. Dabney, ainda que o Pr. Doug diga que o racismo é um insulto contra Deus3. Ele seria um defensor de movimentos supremacistas brancos, aqueles a quem já condenou diversas vezes. E afirmam que ele usa a Bíblia para justificar a escravidão, quando é nela que ele baseia sua visão de abolição.

Mas, já que essa gente gosta tanto de ressuscitar controvérsias de dez anos atrás, recomendo Fermento na farinha, escrito em outubro de 2013 (já que sua retratação sobre Southern Slavery as it Was, feita apenas quatros anos atrás, deve ser muito recente). Será que eles leram aí o seu pedido de perdão por sua falta de tato ao expor algumas de suas posições a interlocutores honestos? Bom, talvez eles o tenham desprezado pois são outro tipo de interlocutor.

Afinal, o Pr. Doug nunca teve qualquer problema em interagir com aqueles que, no mínimo, são capazes de fazer uma representação fiel das suas posições — como fez Thabiti Anyabwile em sua série de interações críticas com o livro Black & Tan, lá em 2013. Mas, não. Não há interação, debate, argumentação. Só vozes distintas fazendo uso da mesma tática: a difamação.

Mas, cá entre nós, é evidente que a questão não é se o Pr. Doug apoiaria Nabuco e Patrocínio ou Saraiva e Cotegipe. Creio que ele, como muitos no Brasil, nem saiba quem são, embora ele já tenha deixado claro que apoiaria Wilberforce. Ou seja, o objetivo não é se opor à ideia do gradualismo na emancipação e, sim, atribuir-lhe o rótulo de manipulação da vez: o racismo.

Por que eles não colam?

Porque cremos que somos todos de uma mesma raça caída, descendentes do primeiro Adão, assim como cremos que todo aquele que está unido pela fé no segundo Adão é nosso irmão, não pela cor da sua pele4, mas pelas águas do batismo. Porque, em nossas igrejas, comungamos juntos todos os domingos: homens e mulheres, adultos e crianças, ricos e pobres, pretos e brancos. Todos os que são pão participam do pão, todos celebrando a comunhão no sangue de Cristo.

E o que estamos buscando viver é o que confessamos. Um exemplo disso pode ser encontrado nos memoriais propostos no último concílio, realizado em setembro do ano passado, em que comemoramos 25 anos. O memorial sobre nações, proposto por uma igreja da CREC em Tokyo, no Japão, diz o seguinte:

Cremos que Deus criou todas as nações a partir de um homem, Adão. Essas nações foram dispersas pelo pecado em Babel. Mas Deus, por meio da cruz de Cristo e do derramamento de seu Espírito Santo no Pentecostes, está reunindo e reconciliando as nações, atraindo-as para uma Igreja, o Corpo de Cristo. Nós, portanto, detestamos e repudiamos todas as formas de ódio nacionalista e racial, preconceito, segregação, discriminação e perseguição, inclusive o antissemitismo, a oikofobia, a supremacia branca, a teoria crítica da raça e o kinismo. Buscamos unir as nações na adoração do Deus trino, santificando todos os povos, línguas e tradições para sua glória.5

Por essas e outras razões, os rótulos não colam. Entretanto, a esta altura, não espero que os canceladores acreditem em quaisquer destas palavras — com exceção, talvez, ao repúdio da teoria crítica. Por quê?

Porque embora afirmem estar em diferentes posições no espectro teológico-político — com alguns mais obtusos que maliciosos —, eles usam dos mesmos artifícios. Por isso vemos princípios como o do contraditório e da ampla defesa e a presunção de inocência, fundamentados na justiça bíblica, sendo substituídos por princípios da justiça crítica, onde declarações como essas seriam nada mais que instrumentos de manipulação e as alegações de inocência, nada menos que prova da transgressão. Foucault ficaria orgulhoso.6

Até que toda língua confesse

Por fim, como já escrevi a um dos críticos, eu não me envergonho de estar onde estou e de lutar ao lado desses irmãos. Eu já estava ciente dos ataques que se seguiriam e a parvoíce e malícia dos difamadores não é novidade alguma. Se não estão habituados, é melhor irem se acostumando.

De nossa parte, não temos a menor intenção de dignificar difamadores e continuaremos nos alegrando enquanto eles, mentindo, disserem todo o mal contra nós (Mt 5.11). Quanto aos que, por quaisquer motivos, acabaram sendo atacados por meio de tudo isso, meu convite é que vocês se alegrem conosco e vivam de maneira que as acusações contra vocês também sejam mentiras. E enquanto a língua deles trama destruição, continuemos anunciando o evangelho da salvação até que toda língua confesse que Cristo é Senhor (Sl 52.2; Fp 2.11).

  1. O comitê foi formado, a pedido da Christ Church, em outubro de 2015 — embora os casos já tivessem ocorrido quase uma década antes —, como uma forma objetiva de avaliar a sua conduta nos casos. ↩︎
  2.  Como já ficou evidente, ser um dos críticos do Pr. Doug não significa estar seguro de ataques. Não se engane. Eles estão apenas começando… ↩︎
  3. Deem uma boa olhada na tez do nordestino eleito ministro presidente do concílio da CREC. Dabney ficaria desapontado… ↩︎
  4. Pergunto-me se os difamadores usarão dos mesmos critérios para tratar das acusações contra Martin Luther King Jr.
    ↩︎
  5. CREC Council Minutes, p. 15, 38. Disponível aqui. ↩︎
  6.  Veja Steve Jeffery, Critical Theory and the Social Justice Movement, disponível aqui.
    ↩︎
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